Fabi Bellentani reflete sobre rock e feminismo: “Coragem para as mulheres não falta em setor algum”

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A paixão de Fabi Bellentani pela música vem da infância: já nos anos 90, ela se perdia nas leituras de revistas sobre o assunto, era viciada na MTV e sempre foi uma colecionadora de CDs e vinis. Nesse mesmo período, de dentro de seu quarto surgiram as primeiras composições. Foi também nesse ambiente que ela começou a cantar. Mas Fabi era uma garota muito tímida e por isso, poucas pessoas sabiam o que fazia.

Sua primeira aula de música foi num curso de órgão que ela fez quando tinha entre 12 e 13 anos. Na época, a única chance que tinha de ser musicista era tocando esse instrumento na igreja.  No entanto, a jovem Bellentani se perdia vendo fotos dos Rolling Stones e imaginando que um dia poderia estar em outros ambientes além da igreja, assim como aqueles músicos lendário do rock, que brilhavam com selvageria e esbanjavam talento em palcos do mundo todo.

Em 1998, quando cursava o Ensino Médio, certa vez ocorreu uma gincana em sua escola e uma das provas exigia que seu grupo encontrasse uma cantora. Foi então que Fabi criou coragem, juntou forças, deixou sua paixão falar mais alto do que qualquer receio, e se candidatou para cantar. Para surpresa geral, ela ficou em primeiro lugar, empatada com uma amiga pela qual até hoje tem uma imensa admiração. Mas, mesmo com esse êxito, Fabi não teve coragem de ir atrás do que realmente queria. Os anos se passaram, e ela, de vez em quando, tocava instrumentos de teclas, escrevia poemas e, dentro de seu quarto, transformava tudo isso em música.  Até que, por fim, aos 30 anos, colocou na cabeça que era hora de perder o medo e ir atrás de sua tão sonhada banda que, conforme havia decidido, seria formada apenas por mulheres. Seu espírito queria o rock, o metal… ela desejava cantar e tocar baixo. Estava decidida a seguir esse rumo e se realizar dessa maneira.

Fabi, então, repleta de uma intensa inspiração, foi em busca de mulheres que estivessem dispostas a embarcar nessa ousava aventura. Enquanto isso, começou a aprender a tocar baixo através de vídeos do YouTube, usando um instrumento emprestado. Em 2013 a banda Flip Chicks estava montada. Ela tinha 31 anos. Em 2014, o trio lançou seu primeiro EP e iniciou sua próspera trajetória, realizando uma série de shows em Sorocaba e região. Suas músicas foram tocadas em rádios. A banda decolava e se consolidava como um grande nome do rock feminino de Sorocaba. No entanto, em 2015, o destino mudou a rota e os planos de Fabi, que enfrentou alguns problemas de saúde.

Mais reclusa, mas sempre motiva por sua paixão, em 2018 Bellentani começou a montar um estúdio em sua própria casa e estudar produção musical. Ela definitivamente não estava pronta pra desistir da música e lançou algumas faixas em parcerias com amigos, fazendo tudo de forma online ou através de gravações realizadas em seu novo home estúdio.

Em 2020, no meio da pandemia, recebeu um convite para integrar o projeto Madreperola, do qual ainda faz parte. Em 2021 lançaram o EP “Prefácio”, feito totalmente online com amigos de cidades diferentes. Para essa produção, Fabi compôs, produziu e mixou as faixas. Foi um projeto no qual mostrou todas as dimensões de seu vasto talento. A banda Madreperola, porém, logo decidiu dar um tempo em suas atividades, para que Fabi pudesse novamente cuidar de minha saúde. Mas em 2024, o projeto foi retomado.

Desistir da música nunca foi uma opção. Nesse hiato de 2021 até agora, Fabi Bellentani fez aulas de canto, piano, guitarra, baixo, bateria e produção musical com profissionais renomados do mercado. Está sempre se atualizando e produzindo de maneira incansável. Ainda há muitos capítulos para serem escritos em sua trajetória musical.

1 – Fabi, como você compara os primórdios de sua trajetória musical com o momento atual?

Quando decidi começar a banda, lá em 2010, não havia ainda tantas mulheres no mercado musical local. Tanto é que quando lançamos uma banda só de mulheres, as pessoas nos chamavam para muitos eventos por ser uma “novidade”.

Nossa proposta também era diferente, pois queríamos fazer o simples, mas com muita vontade. A fórmula era: voz, baixo, guitarra e bateria, com letras empoderando as mulheres e tentando fazer com que elas, assim como nós, abrissem mais caixas de pensamento dentro da cabeça.

Muitas meninas nos procuravam após os shows para saber como começar uma banda, e isso era a parte mais gratificante. Em contrapartida, tivemos muitos haters homens, como já era esperado. Realmente não sabíamos tocar muito bem e as ofensas online vieram em alguns momentos com muita maldade. Mas seguimos mesmo assim. Hoje me sinto mais preparada tecnicamente para lançar músicas experimentais. Eu não sou uma pessoa que se prende a um único estilo musical, gosto de fazer coisas diferentes. Tanto que você encontra trabalhos meus que vão desde o desde funk até o heavy metal. Atualmente o mercado se mostra mais receptivo com coisas novas, pelo menos é a impressão que tenho dentro da bolha em que escolhi viver. Rs

2 – Qual foi o show mais memorável que você fez?

Fizemos muitos shows maravilhosos, principalmente em Sorocaba e Votorantim. Mas com certeza o mais inesquecível foi no festival Roque Pense, em Duque de Caxias, em 2015. A proposta do festival era ter apenas bandas de mulheres, e o convite foi inesperado. Não sabíamos que nosso alcance musical já tinha saído do estado de São Paulo.

A estrutura do festival era excelente. Havia um palco gigante com equipamentos que nunca tínhamos visto tão de perto na vida. Rs. Foi uma experiência memorável, com toda certeza. Fomos headline e o público pirou. Esse show está disponível na íntegra no YouTube.

3 – Na sua opinião, qual é o maior desafio que uma mulher enfrenta quando almeja ter uma banda/tocar em festivais? E como é possível superar esse desafio?

O maior desafio sempre será a mania que o mercado tem de achar que nós mulheres não somos capazes. Infelizmente, isso existe desde que o mundo é mundo, e é um obstáculo que não é fácil de ser vencido.

Entrar numa banda é fácil, o problema é conseguir furar a bolha, principalmente dentro do rock, onde os homens em sua maioria não estão abertos a novas experiências. A não ser que você escolha vender sua imagem, seu corpo em decotes ou roupas curtas, antes de vender sua arte. Tocar em festivais vai depender muito do seu esforço em passar essas barreiras machistas. Furando a bolha, você voa.

4 – Considera que, de modo geral, no Brasil, as mulheres sentem-se suficientemente encorajadas para entrar no cenário do rock independente? O rock and roll é um ambiente machista? Talvez já tenha sido mais…?

Acho que coragem para mulheres não falta em setor algum. O que falta é a aceitação dos homens, que ainda formam o maior público no rock. Há mais de 15 anos vivenciando a cena, eu digo que o machismo ainda é o mesmo. Temos alguns casos de bandas que apoiam as mulheres, como o Black Pantera, por exemplo. Fazer roda exclusiva de mosh para as mulheres em seus shows é simplesmente espetacular. Aproveito para mandar um abraço ao Rodrigo Pancho da Black. 🤘🏻

Eu já passei por várias situações desagradáveis dentro desse meio. Incontáveis. Infelizmente, os homens querem mesmo o nosso corpo antes do nosso talento. Já pensei em desistir por essas coisas, mas consegui fazer amigos valiosos nesse universo, que me apoiam a continuar, independente do que a maioria machista pense ou faça.

5 – Dentro da esfera do punk rock, que é um movimento pelo qual, particularmente tenho imensa admiração e respeito, quais mulheres se destacam pra você?

Aqui fica fácil, pois também sou uma amante do punk rock. Foi a vertente inicial das Flip Chicks, né? Rs

Kathleen Hanna é uma deusa dos anos 90. Sinto por não ter ido ao show dela aqui no Brasil.

Debbie Harry, obviamente. Sem ela, não teríamos a liberdade que temos hoje.

Joan Jett, um ícone. Foi através dela que conheci o punk rock, foi minha primeira diva. Vendo ela nas revistas eu consegui começar a me ver nesse caminho também.

Siouxsie Sioux. Acho muito estranho as pessoas por aqui não falarem tanto sobre ela. Ela é uma gênia.

Patti Smith, né? Aqui nem preciso justificar o motivo. Rs.

Tobi Vail. A simplicidade que ela trouxe, junto com o peso, é algo realmente admirável e que me representa.

E a banda Pussy Riot, pelas performances e letras que sempre elevaram o feminismo e pela maneira como enfrentam até hoje a sociedade e preconceitos de onde vivem. É o que eu queria fazer!

6 – Qual é sua maior ambição enquanto musicista? Que marca pretende deixar no mundo através da sua música?

Minha ambição hoje é muito diferente da ambição da adolescência. Hoje se eu atinjo uma pessoa com a mensagem que passo nas minhas músicas, eu já fico feliz. Aprendi que não conseguimos mudar todo o mundo de uma vez só, é um trabalho de formiguinha.

Toda vez que lanço algo novo, algumas pessoas agradecem pela mensagem, pois sempre procuro incluir mensagens importantes nas minhas canções. Acredito que já deixei pequenas marcas positivas nesse mundo. Talvez o dia que eu morrer, pelo menos uma pessoa se lembrará de mim pela arte que faço.

7 – Poderia nos contar quais são seus equipamentos preferidos para o contrabaixo? Quais pedais você mais gosta de usar?

Então, eu sempre gostei do baixo cru. Uso no máximo um booster. Hoje em dia tenho testado um drive de leve, pois estou compondo um projeto que pede uma agressividade maior. Como não sou guitarrista e só arranho umas notas, preferi usar as distorções no baixo e tem sido uma experiência incrível.

8 – Você está trabalhando em materiais novos? O que podemos esperar da Fabi Bellentani este ano?

Estou em estúdio, sim. Meu próximo lançamento está, finalmente, na fase final. Estou mixando e montando o videoclipe. Não será rock, será algo diferente. Minha primeira música romântica, acredita? Rs. Estou trabalhando também num álbum conceitual que carrega uma mensagem forte, então, preciso ter alguns cuidados. Seria em inglês, mas depois de uma conversa muito foda com o baterista do Black Pantera, mudei tudo para o português, visando passar a mensagem para o nosso povo em primeiro lugar, depois para o nosso colonizador. Essa é a minha premissa de hoje. Não gravo nada mais em inglês. Assumir minha raiz, entender de onde venho, mudou todo meu conceito musical. E mudei meu nome artístico para Nanna Oliviera. Rs. Tive problema com Stalkers. Como só existe eu e mais uma com esse nome e sobrenome no país inteiro, foi fácil um doido me achar em casa. Rs

9 – Se você pudesse dividir o palco com qualquer cantor/cantora ou banda, inclusive considerando artistas que já faleceram, quem você escolheria?

Hoje, Emily Armstrong. É simplesmente maravilhoso ela ter virado vocalista do Linkin Park, que é a banda que está no meu top 5 de toda a vida. E também gostaria de fazer uma parceria um dia com o Black Pantera. A mensagem que eles passam é essencial para os tempos obscuros em que vivemos.

10 – Que dica você daria para uma mulher que está inicialmente agora a sua aventura no mundo da música?

Se joguem e não desistam. Homens tentarão te parar. Homens te medirão pela sua beleza física, pelo tamanho do seu peito, pelo comprimento da sua saia. Eles nunca vão olhar para o seu talento em primeiro lugar. Você será assediada o tempo todo. O tempo todo.

Seja firme em suas posições e não aceite nada que você não queira. Não se venda por migalhas. Não se deixe ser usada. Estude. Leia. Entenda o tamanho do estrago que o patriarcado fez em nossas vidas. Repito: não desista. Para que um dia sejamos maioria nesse mercado, ou pelo menos estejamos em mesma quantidade que eles, preciso que você não desista. Una-se a outras mulheres artistas. Faça parcerias com elas. Seja online, seja presencialmente.

Entre em contato comigo pelo Insta, vamos compor juntas. Falta essa união entre as mulheres nesse mercado, e só nós podemos mudar esse cenário.

Por Juliana Vannucchi (Editora-chefe do site Fanzine Brasil, professora de Filosofia, com pós-graduação na área pedagógica. Publicitária, autora e organizadora do livro “Purificação: o medo em versos”).

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