Um mundo sem Dolores O’Riordan

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Era no começo dos anos 90, estávamos na casa da Letícia fazendo um trabalho de escola. Na hora da descontração, ela foi mostrar pra gente uma música que estava ouvindo muito, era o CD da irmã mais velha (ou da prima? não me lembro). Ficamos alguns minutos ouvindo em silêncio a canção “Ode to my Family”, do recém-lançado disco “No need to argue”, da banda irlandesa The Cranberries.

Eu reconheci a voz já nos primeiros versos e no “Doo doo doo do, doo doo doo do” inicial, era a mesma da canção “Linger”, que integrava minha fitinha K7 da trilha sonora da novela Mulheres de Areia Internacional. Aquela voz e aqueles versos transformaram o meu mundo, à época, dominado por grupos juvenis e cantoras infantis. Foi o meu primeiro rock. A primeira, de inúmeras vezes que ouvi a voz única e brilhante de Dolores O’Riordan.

Infelizmente, Dolores foi embora antes do combinado, partiu na última segunda-feira (15) e deixou uma legião de fãs entristecidos, assim como eu. Dolores foi a voz de uma geração ‘teen’, que cresceu achando normal gostar de uma banda da Irlanda, que toca rock e canta em inglês, que acha legal ter uma banda com uma mulher cantando, tocando guitarra e compondo. Aos 46 anos, Dolores compôs todas as canções do grupo, são inúmeros sucessos, hits dos anos 90. Com uma sensibilidade ímpar, difícil encontrar letras tão verdadeiras e bonitas, combinadas a uma voz tão melodiosa. Mais difícil ainda conciliar isso a guitarras e momentos explosivos e calmos, o melhor exemplo disso é a maravilhosa “Zombie”, minha canção favorita. Com apenas quatro notas repetidas exaustivamente durante os 5 minutos e 6 segundos da canção, é o exemplo de que é possível fazer obras-primas com muito pouco. Não foram uma, nem duas ou três vezes que subi ao palco para entoar os versos “Zombie, Zombie”, que o diga a amiga Tamyres, com a qual tive oportunidade de tocar e ensaiar canções do The Cranberries desde 2001.

Vivian Guilherme

A autora é jornalista, mestre em Ciência, Tecnologia e Sociedade pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), graduada em Letras e pós-graduada em jornalismo contemporâneo. Produtora musical e técnica em áudio profissional, foi eleita Personalidade Musical do Ano (2008 e 2011) pelo Prêmio GRC Music (extinto Prêmio Toddy de Música). É criadora do Festival Rock Feminino e webmaster do Rockfeminino.com.br.

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