Far From Alaska: rock brasileiro padrão exportação

DestaqueHistória do Rock

Para um artista brasileiro, a decisão de cantar em inglês é sempre arriscada. A abertura do mercado internacional é a principal vantagem, como os exemplos de Sepultura e Angra evidenciam. No entanto, várias outras bandas que seguiram esse caminho fracassaram, em grande parte porque isso acaba limitando o crescimento dentro do mercado nacional. O Far From Alaska escolheu a opção da língua inglesa, e ela se mostrou acertada, pois o grupo tem conseguido boa penetração de mercado – tanto lá fora quanto por aqui. Formado em 2012 em Natal, o Far From Alaska tem como membros atuais Emmily Barreto (vocais e sintetizador), Cris Botarelli (sintetizador, lap steel, vocais e baixo) e Rafael Brasil (guitarras). Lauro Kirsch (bateria) deixou a banda em setembro do ano passado.

Praticantes de um rock pesado (o “pesado” é por minha conta, pois o grupo faz questão de ser chamado de banda de rock, evitando rotulagens) com experimentações eletrônicas, a banda desenvolveu uma sonoridade própria, ancorada nos vocais marcantes de Emmily (que se destaca pelo inglês quase sem sotaque), na presença marcante de Cris  e nos riffs poderosos de guitarra. O processo de composição é coletivo e democrático.

A banda lançou o primeiro álbum, modeHuman, em 2014. Aclamado pelo público e pela mídia especializada, o disco foi escolhido para diversas listas de melhores do ano, incluindo a da revista Rolling Stone Brasil. A capa, que apresenta um robô feminilizado, é uma pista para o conteúdo lírico, que aborda o que nos torna humanos e não somente máquinas: ciúme, indecisão, ansiedade, raiva, busca de aceitação. Minha faixa favorita é “Politiks”, com seu refrão provocador: “This is the end of the age of deceiving/ We´ll be the first ones to speak up”.

far from alaska 2

Tocaram no festival americano SXSW, no Lollapalooza Brasil de 2015 e na edição comemorativa de cinquenta anos do Midem, em Cannes na França, onde receberam o prêmio “We Are The Future”, de artista revelação.

Numa decisão audaciosa, o grupo gravou o segundo disco, Unlikely (2017), com a experiente produtora Sylvia Massy (Red Hot Chilli Peppers, Tool, Johnny Cash, Foo Fighters, Prince, entre outros), no estado do Oregon (EUA). Uma campanha de  financiamento coletivo foi lançada para ajudar nos custos. O título do disco, “Improvável”, brinca com a baixa probabilidade de sucesso de uma banda nordestina (cabe destacar que agora eles se mudaram pra São Paulo) no mercado internacional.

A busca por melodias mais fáceis foi uma das referências para o novo álbum, que não se prende a questões conceituais, aposta na diversidade, e tem várias faixas intituladas com nomes de animais (apelidos que eram dados no processo de composição e que acabaram ficando). Merecem destaque “Flamingo”, que ferta com o reggae, a paulada alucinante de “Bear” (que lembra o Garage) e “Pig”, que se encaixaria com facilidade em Jagged little pill, disco clássico noventista de Alanis Morissette.

Cabe destacar a capacidade de comunicação da banda, que tem um site muito bonito (em português e inglês) e investe na produção e divulgação de vídeos das músicas. Mas o que faz diferença mesmo são as apresentações ao vivo arrebatadoras e energéticas, como podemos conferir abaixo.

A banda tem sido convidada para festivais relevantes no Brasil (Maximus Festival, João Rock), e no exterior (Download Festival), e seu sucesso é atestado pelo grande número de ouvintes mensais no Spotify (66.477 ouvintes mensais em 15/1/2020) e pela recepção da crítica (Unlikely ficou em segundo lugar, por exemplo, na lista de melhores discos de 2017 do site Tenho Mais Discos do que Amigos).

Ao que parece, a decisão de cantar em inglês foi realmente acertada, tendo em vista a possibilidade de se atingir audiências internacionais com facilidade nas redes sociais e serviços de streaming (o que não acontecia na década de 1990, por exemplo, quando o Sepultura conseguiu essa façanha!). No frigir dos ovos, embora a escolha da língua seja estratégica, o que faz diferença é a qualidade e originalidade das bandas, e nesse caso esses elementos estão presentes em abundância!

Daniel Rezende

Daniel Carvalho de Rezende é professor da área de Comportamento do Consumidor na Universidade Federal de Lavras (Minas Gerais). Desenvolve pesquisas sobre consumo cultural no âmbito dos cursos de mestrado e doutorado em administração. Entre os artigos científicos que já publicou sobre o tema, destacam-se: “As expressões do girl power na série Game of thrones”, “Consumo e distinção social no campo cultural da música: um estudo em Minas Gerais” e “'Pra nós, todo o amor do mundo': formação de identidade e consumo musical dos fãs da banda Los Hermanos”. Apaixonado por rock, já escreveu dois livros que abordam essa temática: Rock alternativo: 50 álbuns essenciais, publicado em 2018, e Rock Feminino, lançado em 2019.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *