Kristin Hersh e as Throwing Muses: porque arte e insanidade formam um par perfeito

História do RockDestaque

O Throwing Muses foi formado em 1981 pelas então adolescentes Kristin Hersh e sua meia irmã Tanya Donnelly. Embora Tanya também fosse talentosa e emprestasse sua habilidade para melodias pop em composições ocasionais, o centro nevrálgico das Muses girava em torno de Kristin e seus problemas psicológicos. Ela desenvolveu um tipo de bipolaridade após um acidente aos 16 anos (sua bicicleta foi atingida por um carro e ela bateu fortemente a cabeça no chão), e passou a ser “invadida” por melodias e ritmos de forma incontrolável.

muses

O distúrbio mental intenso gerou mudanças de comportamento imprevisíveis, e ela até apelidou sua “personalidade alternativa” de Rat Girl. O processo doloroso só tinha algum alívio quando ela transformava os estímulos em canções e as gravava. Como resultado, as composições de Hersh são também bipolares, alternando-se entre ganchos arrebatadores, paradas, recomeços e mudanças de ritmo.

Se por outro lado isso dificultou a penetração da banda numa audiência maior e a criação de hits, por outro construiu uma das discografias mais brilhantes, consistentes e desafiadoras do college/indie rock dos anos 1980 e 1990. O autointitulado álbum de estréia, lançado em 1986 pela icônica gravadora independente britânica 4 AD, é um dos grandes tesouros perdidos do rock. Ao mesmo tempo violento e sedutor, tem pérolas como “Call me”, “Hate my way” e “Vicky´s box” ( todas de Kristin) e a incrível “Green” (de Tanya).

Os discos seguintes, House tornado e Hunkpapa, continuam na mesma trilha de guitarras que oscilam entre o melódico e o distorcido e vocais insanos que despejam letras surrealistas. É fascinante, assustador e viciante testemunhar os delírios e o sofrimento de Hersh.

Em 1991, o ano em que o Nirvana mudou a história do indie rock, as Muses lançaram seu disco mais pop, The Real Ramona, que reafirmava a energia punk numa roupagem um pouco mais acessível. O quase hit “Counting backwards” e as viscerais “Red shoes” e “Hook in her head” são destaques, e as duas contribuições de Donnely não ficam atrás: “Not too soon” e “Honeychain”. Ela acabou optando por sair do grupo logo em seguida, e, após uma breve passagem pelos Breeders, fundou sua própria banda, a bem-sucedida Belly.

hersh

Kristin continuou com o Throwing Muses até 1997, alternando os discos da banda (destaque para o soberbo University, de 1995, que tem a música mais conhecida do grupo, “Bright yellow gun”) com lançamentos solo – em que tocava quase todos os instrumentos. Dois bons discos de retorno vieram em 2003 e 2013, e esse ano o grupo surpreendeu os fãs e anunciou o décimo álbum da carreira, Sun racket, que chega em maio e já nos brindou com um primeiro single de tirar o fôlego, intitulado “Dark blue”.

Não é novidade pra ninguém que muitos dos grandes artistas são almas atormentadas que encontram na música uma salvação para suas ansiedades, delírios e pesadelos. Kristin Hersh é mais um dos grandes exemplos de que essa relação tumultuosa entre problemas mentais e rock é de uma alquimia imprevisível e inebriante.

Todos os discos das Throwing Muses são ótimos, mas pra quem quer ter uma introdução rápida de dez músicas sugiro a minha playlist  TMuses (rezendedc), disponível no Spotify.

Daniel Rezende

Daniel Carvalho de Rezende é professor da área de Comportamento do Consumidor na Universidade Federal de Lavras (Minas Gerais). Desenvolve pesquisas sobre consumo cultural no âmbito dos cursos de mestrado e doutorado em administração. Entre os artigos científicos que já publicou sobre o tema, destacam-se: “As expressões do girl power na série Game of thrones”, “Consumo e distinção social no campo cultural da música: um estudo em Minas Gerais” e “'Pra nós, todo o amor do mundo': formação de identidade e consumo musical dos fãs da banda Los Hermanos”. Apaixonado por rock, já escreveu dois livros que abordam essa temática: Rock alternativo: 50 álbuns essenciais, publicado em 2018, e Rock Feminino, lançado em 2019.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *