Laura Marling: a menina prodígio do folk rock chega aos 30 e lança um de seus melhores álbuns

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A britânica Laura Marling acabou de completar 30 anos, mas seu currículo é o de uma veterana. Com o lançamento de Song for our daughter, ela completa 7 discos, sendo que o primeiro (Alas, I cannot swim, 2008) foi composto quando ela tinha apenas 18 anos. Uma discografia riquíssima e que evidencia o talento e o amadurecimento da cantora ao longo desse período.

No primeiro álbum, Marling já impressionava por sua voz forte e imponente e por composições peculiares, que revisitavam o folk dos anos 1970 (Joni Mitchell, Nick Drake) num contexto lírico complexo e inesperado para alguém tão jovem. Envolvida numa cena folk rock que emergiu no final dos anos 2000 em Londres (apelidada de nu-folk pela imprensa local), ela nunca conseguiu o mesmo sucesso comercial de seus companheiros do Mumford and Sons, e a explicação passa pelo jeito tímido e avesso ao contato social e também pela densidade de suas letras, que mesclam narrativas na primeira e terceira pessoas, mergulham fundo em abordagens sombrias de temas como loucura e paganismo, e não se preocupam em explicar muita coisa. A temática pesada e existencialista de “Ghosts” e “The manic and I” (que parece ser um ensaio sobre bipolaridade) arrebatou os críticos e pavimentou seu caminho para construção de uma carreira sólida.

laura marling foto

No álbum seguinte (I speak because I can, 2010), ela expandiu a diversidade sonora com a incorporação de mais instrumentos (banjo e violinos em destaque), enquanto no terceiro registro (A creature I don´t know, 2011) composições pesadas e atormentadas como “Sophia” (primeira na linhagem de personagens que aparecem no universo lírico da cantora, como Rosie, Nouel e Alexandra) e “The beast” trazem guitarras e se aproximam do rock. O ambicioso Once I was an eagle (2013), por sua vez, tem mais de uma hora de duração, foi gravado em poucos dias com abordagem minimalista e crua e foca no talento de Laura no violão – ela oscila habilmente entre trechos dedilhados e ataques intensos e frenéticos. Destaque para a suite inicial de 4 músicas ininterruptas e que fazem uso da mesma afinação aberta. Logo após esse disco, Laura se mudou para Los Angeles, onde gravou o mais relaxado e roqueiro Silent movie (2015).

Em 2017, Laura apresentou Semper Femina, um álbum conceitual sobre as relações e as amizades entre as mulheres. Cheio de referências literárias, o álbum tem predomínio de canções acústicas, mas apresenta como destaques os experimentos eletrônicos de “Soothing” e “Don´t pass me by” e as guitarras pop de “Nothing, nor nearly” e “Wild fire”. Essa última, ponto máximo da discografia da artista, é uma canção pop/rock perfeita que ela disseca uma relação de amizade em seus altos e baixos e explicita suas inquietações: “Ela mantém uma caneta no seu ouvido/ No caso dela ter algo que realmente queira dizer/ Ela escreve no seu caderno/ Ela vai escrever um livro algum dia/ Claro que a única parte que quero ler/ É sobre o tempo que ela passou comigo/ Você não morreria pra saber como é visto? Você está lidando bem com quem você está tentando ser?” A citação é longa mas vale a pena, pois poucas vezes vi uma letra tão inspirada, que sai do contexto do autor para o do ouvinte e o provoca com dois questionamentos tão profundos.

Após Semper femina (sucesso de crítica e indicado para o Grammy de melhor álbum folk), Laura buscou outros ares com seu projeto paralelo Lump (voltado para a música eletrônica). O anúncio da antecipação do lançamento de Song for our daughter, no mês passado, foi um presente para os fãs. Laura declarou que não via sentido em trabalhar mais alguns meses nos detalhes, e que o disco poderia ser um alívio para os momentos difíceis de isolamento social.

Tendo como eixo temático reflexões sobre o mundo que espera a sua filha fictícia, ela mistura a bagagem de suas experiências com a imaginação de como deve ser a maternidade. Impregnada de serenidade, a sonoridade do álbum se baseia no violão de Laura, nas harmonias vocais delicadas e em detalhes sutis e intimistas  – destaque para os arranjos de cordas que ornamentam algumas músicas. O resultado é tocante e arrebatador. Impressiona ver a sensibilidade maternal da cantora em “For you” (Eu agradeço um Deus que eu nunca conheci/ Nunca amei, nunca quis (por você)/Eu escrevo para não esquecer/ Nunca deixar isso ir embora/ Eu carrego uma foto sua/ Só pra te manter segura”. Na canção título, ela aconselha a filha para que tenha cuidado com a opressão masculina, enquanto em “Only the strong” ela procura revelar algumas verdades que aprendeu em sua trajetória, mas deixa transparecer que no fundo espera que a experiência de ser mãe mude alguns conceitos em sua vida.

Confira alguma das músicas novas nesse show intimista da série Tiny Desk Concert.

Se a voz rouca e a postura decidida de Laura sempre transpareceram segurança e maturidade acima de sua idade, agora que já tem alguma estrada percorrida ela mostra que, artisticamente,  pode ter atingido o auge. Já no campo emocional, como acontece com todos nós, os dramas e inseguranças continuam aflorando, e mudam um pouco de foco. E talvez seja essa a força de Laura Marling, nos mostrar o quanto de beleza podemos extrair de nossas fragilidades e ansiedades.

Daniel Rezende

Daniel Carvalho de Rezende é professor da área de Comportamento do Consumidor na Universidade Federal de Lavras (Minas Gerais). Desenvolve pesquisas sobre consumo cultural no âmbito dos cursos de mestrado e doutorado em administração. Entre os artigos científicos que já publicou sobre o tema, destacam-se: “As expressões do girl power na série Game of thrones”, “Consumo e distinção social no campo cultural da música: um estudo em Minas Gerais” e “'Pra nós, todo o amor do mundo': formação de identidade e consumo musical dos fãs da banda Los Hermanos”. Apaixonado por rock, já escreveu dois livros que abordam essa temática: Rock alternativo: 50 álbuns essenciais, publicado em 2018, e Rock Feminino, lançado em 2019.

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